quarta-feira, 22 de junho de 2011

"O POVO DAS CONCHAS" - OS SENHORES DO LITORAL:


“Em Balneário Camboriú, os primeiros habitantes foram os índios que moravam na praia de Laranjeiras. Este sítio arqueológico foi prospectado pelo Padre Dom João Alfredo Rohr. Pelas características da Praia de Laranjeiras, ela é protegida do vento sul. Na década de 1970, a Prefeitura solicitou uma verba para construir uma estrada que ligasse a Praia de Laranjeiras ao município. Porém, antes disso, já houve achado de esqueletos. Mas, como iam mexer nesse patrimônio todo, foi chamado o arqueólogo de fama nacional e internacional, o padre Dom João Alfredo Rohr. Ele fez a prospecção e constatou que toda a praia era um sítio arqueológico. Isso foi feito através do Carbono 14; onde se descobriu que a ocupação mais antiga era de 4.900 anos. Os achados estão em exposição no Museu.” (Entrevista com Gert Hering. Projeto Memória. Informativo MEMPI– Arquivo Histórico de Balneário Camboriú). 

Esse trecho de uma entrevista, publicada no Informativo do Arquivo Histórico de Balneário Camboriú, despertou nossa curiosidade em relação aos primeiros habitantes da praia; e nos induziu à pesquisa. Partimos, então, em busca de históricas respostas.

A PRÉ-HISTÓRIA DO LITORAL CATARINENSE:

Desde a segunda metade do Século XX, a pesquisa arqueológica vem-se debruçando sobre o estudo sistemático da ocupação da costa brasileira, por povos pescadores e coletores; que se instalaram na faixa litorânea, por volta de 4.500 a.C. E o principal vestígio dessa ocupação é um tipo de sítio arqueológico denominado Sambaqui.

A palavra Sambaqui deriva do Tupi “tamba” (conchas) e “ki” (amontoado); e pode ser definido, etimologicamente, como “monte de conchas”.

Os Sambaquis representam um tipo de sítio arqueológico formado por inúmeros vestígios de ocupação humana, como a presença maciça de conchas, carapaças de moluscos, restos de peixes e outros animais; associados a instrumentos líticos, utensílios, adornos e esqueletos humanos; restos de fogueiras e estruturas habitacionais.

Um dos painéis explicativos do Museu do Sambaqui, em Joinville, traz o seguinte texto: “Os sambaquis são sítios arqueológicos que apresentam vestígios culturais em meio a camadas com alta densidade de conchas e moluscos, trazidos pelo homem. Distinguem-se na paisagem pela altura e forma; possuem dimensões variáveis; sendo que os sambaquis do Estado de Santa Catarina são os maiores do Brasil; atingindo até centenas de metros de comprimento e com altura máxima de 30 metros. São constituídos por restos de animais (principalmente moluscos, crustáceos, peixes, mamíferos, aves, répteis); esqueletos humanos; artefatos de pedra, osso, concha e dente; fogueiras e outros restos de atividades humanas. Concentram-se, predominantemente, nas regiões litorâneas lagunares, que favorecem o desenvolvimento de grandes bancos de moluscos – fonte de alimentação dos homens pré-históricos. No litoral de Santa Catarina, os Sambaquis ocorrem, aproximadamente, entre 3.000 a.C e 1.000 anos d.C”

A tese mais aceita sobre a formação dos Sambaquis entende que a sucessão de comunidades litorâneas foi responsável pelo acúmulo de conchas; ossos de peixes e outros restos de alimentos; próximos a vestígios de habitação e ossadas humanas. Com o passar do tempo, esses depósito alcançaram grandes alturas, que deram origem aos Sambaquis – verdadeiros arranha-céus pré-históricos.

A formação dessas comunidades revela a transformação dos hábitos alimentares do Homem Pré-Histórico das Américas. Com o passar do tempo, a caça e a coleta foram perdendo espaço para uma dieta marcada pelo consumo sistemático de peixes, crustáceos e outros frutos do mar. Examinando a estrutura interna e os terrenos próximos aos Sambaquis, percebe-se que essas comunidades desenvolveram, de forma bem acentuada, o artesanato, a escultura e a pedra polida. A escolha do local também revela uma característica importante de um assentamento de Sambaqui; evidenciando dois ambientes clássicos: a proximidade com o mar – nas cercanias de lagoas ou desembocaduras de rios; e a fontes potáveis de água doce.

A HISTÓRIA NAS ALTURAS – OS SAMBAQUIANOS:

O litoral brasileiro apresenta alguns “edifícios” construídos por sociedades pré-históricas que aqui viveram, há aproximadamente 8.000 anos. A dimensão dessas edificações compara-se a um prédio de 10 andares, equivalente a 30m de altura; com a grande diferença que, ao invés de aço, vidro e cimento, essas construções milenares se formaram a partir do acúmulo de milhares e milhares de conchas.

Por muito tempo, os Sambaquis foram considerados grandes lixões e depósitos de conchas. No entanto, a partir de inúmeros estudos realizados em torno dos “sambaquianos”, novos olhares foram lançados sobre essas sociedades, construtoras de verdadeiros “arranha-céus” pré-históricos.
Pesquisas recentes demonstram que os Sambaquianos viviam em uma sociedade relativamente sedentária. Ao contrário do que se possa pensar, eram organizados em relação à divisão de tarefas e lideranças de comando.

Pela significativa dimensão de um Sambaqui, não é difícil supor que um número significativo de pessoas participava desses grupos e habitavam o assentamento. Mais do que isso, a alimentação à base de peixes, mariscos e outros frutos do mar indicavam uma alimentação estável.

É importante lembrar que a construção desses grandes amontoados de conchas exigia trabalho coletivo; e, por isso, é muito provável que pessoas de status interagiam nesses grupos. Alguns sepultamentos encontrados em Sambaquis são mais elaborados que os demais; o que leva os pesquisadores a concluir que essas pessoas possuíam maior importância no grupo.

A verticalização dos Sambaquis – variando entre 2m e 30m – inquieta pesquisadores no que tange à simbologia: o fato de se destacar na paisagem, demarcando poder e mostrando superioridade sobre outros povos, colocariam os Sambaquis catarinenses como uma das primeiras expressões da chamada “arquitetura de dominação.”  Dentre as muitas formas de “chegar às alturas”, os Sambaquis representam uma época na Pré-História do litoral brasileiro.

Abaixo das conchas milenares, é possível identificar inúmeras fontes que auxiliam, sobremaneira, a compreender a forma de vida dessas populações. Em meio aos inúmeros utensílios identificados, existem peças que necessitariam de 200 horas de trabalho para serem fabricadas; o que sugere a existência de artesão, nestes grupos.

O apogeu do “Povo das Conchas” parece ter sido entre 4.000 e 3.000 atrás; e uma série de fatores teria contribuído para o declínio dos Senhores do Litoral.  A chegada dos povos agricultores do interior, economicamente mais fortalecidos, poderia tê-los absorvido ou eliminado; bem como uma miscigenação entre sambaquianos e índios – que por aqui chegaram há aproximadamente 2.500 anos – são algumas das hipóteses levantadas.

Decifrar o destino dessas comunidades ainda é um grande desafio. É muito provável que tenham sido disseminadas ou acabaram se misturando às culturas tupi-guaranis, que avançaram do norte e do sul do país, rumo ao litoral, no início da Era Cristã. E as incertezas se perpetuam, uma vez que a destruição dos sambaquis vem sendo, gradativamente, assinalada.

Desde o Século XVI, as camadas de conchas vêm sendo removidas, por conta de exploração dessas jazidas arqueológicas para a fabricação de cal. A devastação aumentou com a abertura de estradas e com o crescimento das cidades litorâneas, a partir da década de 60. Com isso, grande parte dos Sambaquis do litoral brasileiro encontra-se, praticamente, extinta; e os que sobrevivem, acusam péssimo estado de conservação.  

O SAMBAQUI DAS “LARANJEIRAS”:

A constatação da presença humana no litoral catarinense pode ser considerada recente. Os vestígios humanos mais antigos catalogados remontam 5.000 anos de ocupação; sempre ligados, diretamente, à cultura dos Sambaquis.

Em Balneário Camboriú, a História não foi diferente. Na década de 70, um grande sítio arqueológico foi identificado na Praia de Laranjeiras. Sob o comando do Padre João Alfredo Rohr, as escavações do Sítio Arqueológico das Laranjeiras foram realizadas entre 1977 e 1979; resultando na descoberta de 165 sepultamentos, incluindo crianças.

Algumas dessas ossadas encontram-se expostas no Museu do Parque Ciro Gewaerd – antiga SANTUR. Dentre os objetos encontrados, destaca-se a presença de duas índias grávidas, cujos fetos são perfeitamente reconhecíveis, em seus ventres. Estudiosos nos dão conta de que são dois raros exemplares de apenas quatro existentes  no mundo.





Pesquisa e Elaboração: Kika

Fontes:
MADU GASPAR. Sambaqui – Arqueologia do Litoral Brasileiro.
JAMES DADAM. Uma cidade na Memória.
ISAQUE DE BORBA CORREA. História de Duas Cidades: Camboriú e Balneário Camboriú

Sites:
www.brasilescola.com
www.caminhosancestrais.com.br
www.mundoestranho.abril.com.br
http://julianobernardes.blogspot.com

Fotos:
Arquivo Histórico de Balneário Camboriú.